Episódios do Cotidiano: “sobre o glamour de morar na Europa” ou “sobre o desapego”

5 da manhã. Eu acordo, ainda meio dormindo, ao sentir meu marido se levantar da cama, de repente. No escuro, eu só consigo ver a sombra dele sentado na ponta da cama. – O que houve? Tá se sentindo bem? – pergunto eu, totalmente grogue de sono, afundada no travesseiro, torcendo para poder voltar a dormir de […]
Dondeando por aí – Blog de viagens

Mude sua vida: como vim morar na Holanda em 8 passos

Desde que criei o blog “como vocês vieram morar na Holanda” é uma das perguntas que mais ouço. Eu contei pedaços da história aqui e acolá, mas o povo quer a versão completa.

Moinhos de vento, canal e bicicleta: motivos para morar na na Holanda

O caminho para morar na Holanda às vezes é comprido, e dura uma vida

Hoje eu vou dar a versão completa de como eu e a Carla mudamos nossas vidas numa série de decisões conjuntas que se interconectaram e resultaram em dois brasileiros morando em Amsterdam.

Esse artigo não é um passo a passo com receita de bolo pra você seguir. Esse artigo é para inspirar você a agir e descobrir seu próprio caminho, mudando sua vida por você mesmo (e matar a curiosidade do pessoal, claro :)).

Os Ducs pagando mico quando vieram morar na Holanda

O processo teve altos e baixos… hehe (Foto: Dirce Alonzo)

Expatriar exige jogo de cintura e muita vontade de ir atrás das coisas você mesmo. Esperar algo pronto é a atitude errada.

Combinado? Então comecemos pelo…

1. O começo: investindo sem ter retorno imediato em vista ou qualquer motivo particular

Eu e a Carla éramos recém casados, dois moleques que juntaram os trapos e casaram por amor e idealismo, teimando contra diversos fatores contra, como falta de dinheiro, por exemplo. A Carla estava no começo de carreira, eu estava mais avançado, então meu salário basicamente sustentava a casa. Mas não sobrava muito.

Com pouca grana pra investir, queríamos aperfeiçoar nossa situação. Nessa época, a  Carla não falava inglês muito bem, na verdade muito pouco. Eu também queria aperfeiçoar meu inglês, só que a grana só dava pra um de nós. Resolvemos investir em aulas particulares para ela, já que meu inglês era melhor já.

Muita gente falava que “inglês é coisa de imperialismo americano, estou no Brasil e falo português”, mas nós sabíamos que aprender outra língua é abrir portas, não apenas profissionais, mas na vida.  E inglês é a língua universal agora, (já foi Latim e Francês). Apertamos o cinto e pegamos as aulas pra ela.

Isso impactou no nosso orçamento por alguns anos. Mas a Carla aprendeu inglês.

2. Percebendo os sinais se acumulando no horizonte e decidindo agir agora

Anos mais pra frente, nós tínhamos vontade de morar fora um dia, mas eu estava cursando USP a noite (Letras inglês, aliás – meu jeito de aperfeiçoar sem gastar muito), esperando um dia mudar de carreira (eu trabalhava em TI, assim como a Carla), para algo que permitisse eu trabalhar de casa e ficar com crianças, caso um dia tivéssemos filhos. Um dia eu queria viver de escrever.

(As pessoas sorriam e falavam “ahã, tá” quando eu contava).

Nossa vidinha seguia na mesma quando veio a ataque do PCC a São Paulo. Eu fiquei desesperado tentando saber da Carla, que estava presa no trânsito da cidade em caos. Uma organização criminosa havia paralisado a maior cidade do país sem muito esforço. Mortes se acumulavam.

Uns meses antes eu havia testemunhado um assassinato – uma pessoa tentou roubar a padaria em frente ao nosso prédio, foi baleada por um segurança enquanto corria. Morreu na calçada. Eu vi tudo.

Esses dois fatos me fizeram pensar, e juntar dois com dois: essa situação não tende a melhorar. Na verdade, tende a piorar e se não existe uma sociedade capaz de me manter seguro, bem… ou eu resolvo viver no estilo velho oeste, cada um por si, ou…

Chamei a Carla, conversei com ela e disse: “é melhor na verdade a gente sair do país o quanto antes. Não dá pra esperar muito. O que você acha?”

Conversamos sobre o assunto e concluímos que era o qu  queríamos fazer.

3. Ligando as antenas a agarrando oportunidades: a decisão de morar na Holanda

Umas semanas depois, A Carla veio me falar de um projeto que estava recrutando há um tempo, mas que ela não tinha se interessado porque envolvia sair do Brasil, mas imediatamente, e como antes nosso plano era eu terminar a faculdade, esperar etc… ela tinha descartado. e nem era um projeto permanente, apenas seis meses.

Além disso era pra um país que nunca sequer havíamos considerado: Holanda.

Mas depois da nossa conversa ela ouviu falar de novo do projeto e resolveu falar comigo.

Pesamos prós e contras: “Holanda, que que tem na Holanda? É só por apenas seis meses, talvez um ano, vale a pena sair só um pouco? Nunca estivemos na Holanda, e quem quer mudar de cara pra um país que nunca pisou antes? E o que vamos fazer dos nossos gatos nesses meses? E…”

Ela resolveu aplicar pra vaga.

KLM Bicicleta

Holanda, aí vamos nós…

4. Hora certa e lugar certo só funciona se você se preparou antes

O projeto estava recrutando há meses, quase ninguém pegava. Por quê? Quase ninguém falava inglês fluente.

A essa altura da carreira a Carla tinha excelente currículum e sempre teve muita competência técnica – mas disseram, sem inglês nada feito.

E ela falava inglês fluente graças ao nosso sacrifício conjunto de anos atrás.

Foi aprovada. Pegamos 4 malas e fomos pra Holanda sem saber direito o que estávamos fazendo.

5. Tem hora que é preciso dar um salto de fé e arriscar mesmo

Eu fui junto, larguei faculdade, larguei tudo, dei pause na vida e segui a esposa pra Holanda. Ia dar certo? Não sabia. Valeria a pena? Não sabia. (Hoje eu sei, mas na época não).

Daniduc recem- chegado na Holanda com as malas

Eu, recém-chegado, sem ter a menor ideia do que eu tava fazendo. (Vai vocês sabiam que eu ia por essa foto! É uma das minhas favoritas!) (Foto: Carla Duclos)

Passada a euforia inicial, deu uma depressão: o que eu vou fazer da minha vida? Mas depressão forte. Estava tendo dificuldade pra me adaptar a um novo país e uma nova vida, ainda mais sem um propósito claro.

Ninguém gosta de ficar parado.

A Carla me disse: essa é a sua chance de mudar de área, aproveite. Faça algo… faça um site! Seu irmão ganha dinheiro com um site.

Eu não sei fazer isso, pensei. Fiquei chateado, comecei a inventar desculpas para falhar: eu não sei fazer, tem que investir muito tempo, a maioria das vezes nào dá certo…

Aí olhei pro blog que criamos só pra falar da nossa vida na Holanda pra amigos e família e…

No mesmo dia sentei no Google e digitei: ‘how to make money online with a blog”. Estava embarcando em mais uma viagem que iria mudar (de novo) minha vida).

daniduc-blogando

Mudar… bastante! (Foto: Carla Duclos)

Comecei a ler e escrever, ler e escrever, noite adentro, dia após dia.

6. As decisões da sua vida se conectam – mesmo que você não veja isso na hora

Os seis meses de projeto foram estendidos para um ano, estávamos pimpões e contentes e aí veio a crise mundial de 2008. BUM! Bem na nossa cara.

Ainda bem que resolvemos adiantar nosso plano… se tivéssemos esperado mais um ano, sentados na segurança do piloto automático, certamente seria mais difícil de ter conseguido com a crise em seu auge.

Estão vendo um padrão? Todas as decisões da sua vida são conectadas – mesmo que você não veja isso na hora.

7. Hora de se comprometer em uma decisão e deixar de ter um pé lá e um aqui

Com a crise, o projeto foi minguando. Hora de decidir: ficar ou voltar. Até então tava fácil: apesar de ser teoricamente uma desvantagem, o lance do projeto ser temporário nos dava segurança: poderíamos voltar sem muito esforço e sempre teríamos uma explicação razoável para não ter dado certo.

“Ah, o projeto acabou”.

Se decidíssemos ficar, teríamos que apostar todas as fichas, assumir claramente o que queríamos e, se não desse certo, não teria muita saída honrosa: investimos e falhamos e teríamos que encarar isso. E, sério, quem quer encarar isso?

E como queríamos ter filhos, havia outras coisas a considerar: queremos criá-los em outra cultura, uma que nenhum dos dois tem ligação, longe da família estendida, falando nativamente uma língua que nós nunca seremos nativos?

Queremos?

Carladuc grávida na Holanda

Como você pode ver nessa foto de uns anos depois, a resposta foi sim, queremos… (Na camiseta está escrito “Loading… please wait” – humor nerd)

Hora de o blog virar renda a sério, para poder pagar as contas – a mordomia do projeto pagando as despesas já era. E se eu fosse procurar emprego tradicional, teria de desistir do meu projeto de viver de escrever e não poderia ficar com os filhos – creche seria a única solução e escrever seria só um hobby.

Hora de apostar todas as fichas.

Apostamos.

Carla arrumou emprego numa empresa na Holanda e o Ducs começou a dar dinheiro.

Iríamos ficar.

Carladuc Daniduc

Dois moleques sem noção fazendo selfie antes de ter celular, só que a gente chamava de “auto foto”. Ainda prefiro, se quer saber… 🙂

8. Sorte é se preparar, se expôr e agir quando surgir a oportunidade; sorte não é algo passivo

Hoje estamos em Amsterdam, temos dois filhos, eu cozinho todo dia, escrevo no blog que é minha fonte de renda (e ganho mais do que ganhava no meu emprego CLT, mesmo corrigindo pra inflação e levando em conta progressão na carreira), a Carla trabalha numa empresa de renome, e seguimos nossa vida.

Foi sorte que moramos na Holanda? Foi sorte que eu posso viver de blog trabalhando durante a noite e ficar com os filhos em casa (e isso quer dizer trabalhar o dia todo)?

Claro que temos sorte de termos nascido em lares que nos deram educação, carinho, apoio, de existir esse projeto, de eu nunca ter passado fome, de eu ter a Carla e ela a mim, de tudo isso e muito mais.

Mas sorte não é só esperar sentado reclamando que os outros conseguiram algo que gostaríamos de ter, como se o mundo nos devesse algo e não estivesse entregando.

Pensar em explicações de porque as coisas não estão acontecendo é natural – ah, me falta tempo pra aprender isso, se ao menos eu tivesse um companheiro, o problema é que…

O problema é que é incerto, arriscado, difícil, trabalhoso pra todo mundo. Eu não aprendi a blogar de um dia pro outro, a Carla não aprendeu inglês de um dia pro outro, tudo isso custou tempo e dinheiro, nós não sabíamos viver em outra cultura e quebramos a cara muitas vezes (e ainda quebramos, acredite), eu tive problemas de saúde, o blog quase fechou um par de vezes.

Mas continuamos. Tivemos sorte?

Se não tivéssemos investido lá no começo sem saber ao certo o que poderia acontecer, se falássemos “oh, só seis meses, não vale a pena ir pra logo voltar”, se tivéssemos resolvido esperar mais um aninho ignorando os sinais, se eu não tivesse passado anos aprendendo a fazer blog noite adentro, se tivéssemos ficado parados, se não tiéssesmos apostado um no outro, nós não teríamos tanta sorte.

Amigos, sorte é uma Dama caprichosa e ocupada, na maioria absoluta das vezes não faz visita a domicílio. Você tem que ir lá fora procurar mesmo.

O artigo Mude sua vida: como vim morar na Holanda em 8 passos foi retirado de Ducs Amsterdam.


Ducs Amsterdam

4 Efeitos colaterais inesperados de morar na Holanda

Eu já falei bastante de adaptação, choque cultural, vantagens e desvantagens de morar fora, coisas bem mais profundas. Mas vir pra Holanda teve certas influências mais sutis do que eu voltar do supermercado mascando drop e carregando batatas, boerekool, rookworst pra fazer stampot.

(Já aconteceu).

van_gogh_vibe

Sem nem perceber a gente vai se influenciando…

4. Eu fiquei muito menos “formiga”

Após anos morando na Holanda, eu percebi como meu paladar no Brasil era viciado em açúcar. Com a distância e o tempo, níveis de doçura que antes eu achava perfeitamente normais agora acho enjoativos. Quando vou pro Brasil acho difícil encontrar algumas coisas sem adição de qualquer adoçante – natural ou artificial, e as pessoas que conheço no Brasil nem parecem sequer notar que o produto está adoçado.

Torta de maçã holandesa

…não que a gente passe falta de doce aqui, também, né?

3. Eu fiquei mais resistente ao clima

Aposto que você pensou que eu to falando só do frio. Bom, também, mas não só: ao calor, chuva… Se expor ao clima virou parte da rotina, e isso era diferente de quando eu morava no Brasil. Lá, eu dizia: “ah, tá chovendo, vou ficar em casa”, “tá frio, não vou sair”… aqui, já saí pra comer fora pedalando com 3 graus e chuva… mesmo porque se for esperar tempo bom, com temperaturas perfeitas pra sair de casa, na Holanda você vai sair umas 6 horas por ano.

Bicicleta na neve: Holanda

Sim, a gente pedala na neve também. E na chuva. Mas eu uso capa de chuva, os holandeses usam guarda-chuva.

Mas a verdade é que o clima aqui parece ter grande influência sobre sua vida, mas ao mesmo tempo, você desenvolve mais resistência a ele.

2. Descobri que ignorância sobre outros países é uma via de mão dupla

A gente sempre reclama de “ah, esse gringo nem sabe que no Brasil se fala português e qual é a nossa capital” e daí eu encontrei um cara do Zimbabwe e descobri que eu sabia nada do Zimbabwe, nem língua (eles tem, segundo a Wikipedia, 16 línguas oficiais) nem capital (Harare), e encontrei gente de Suriname e, apesar de vizinhos do Brasil, eu sabia quase nada sobre o Suriname e quebrei a cara porque achava que a capital do Canadá era Toronto (É Ottawa, que se pronuncia mais pra “ótoa” do que “otáua”), e a capital da Austrália não é Sydney, mas Canberra (thanks, Tim!) e por aí vai.

Aprendi a ouvir e perguntar mais e reclamar menos da ignorância dos outros sobre nosso Brasil varonil.

1. Parei de assumir um monte de coisas como sendo “no Brasil é assim”

Quando falo com leitores do blog, eles são de toda a parte do Brasil, e um monte de coisas que eu assumia que “no Brasil é assim” eu descobri que na real é “onde eu morava é assim”, e está longe de ser uma coisa que rola no país todo.

E foi saindo do Brasil que passei a entendê-lo melhor.

O artigo 4 Efeitos colaterais inesperados de morar na Holanda foi retirado de Ducs Amsterdam.


Ducs Amsterdam